Para que fazer um tour pelo Petronio?
Para os pulmões se oxigenarem. Para nos arrepiarmos. Para evitar que nos matem por sermos pretos. Para defender a vida. Para reivindicar a identidade através dos nossos penteados e nossa peculiar forma de caminhar. Para escutar música inédita que vem dum violino. Para imaginar que viajamos sobre uma canoagem ao ritmo da marimba. Para ver as nuvens se maravilhando com o rio de pessoas que vêm dançar. Para constatar que todos somos filhos de Petronio. Para comer marranitas[1] de camarões. Para serem tentados pelo tollo[2], a caldeirada de pupunha e o patacão com molho de piangua[3]. Para beber arrechón, tumbacatre, viche, tomaseca, parapicha[4] e descobrir finalmente qual é o material do que estamos feitos. Para nos sentirmos afrodisíacos. Para curtir a efervescência do corpo provocada pelo puruí. Para estrear as alas, ascender e ver as cores que foram escolhidas para pintar as estrelas. Para ter a certidão que o cara que conheçamos no Petronio se tornará um verdadeiro amigo. Para mover as mãos, a cabeça e a barriga ao ritmo do currulao[5]. Para ver como o corpo pode se mover por si só. Para apreciar os sorrisos sinceros e embriagados do festival. Para saber como é que se vive em territórios de paz. Para agitar lenços e fazê-los dançar com a lua e o vento. Para saltar até ter dor nos pés. Para suar e nos sentirmos vivos. Para rir e escutar o eco do riso. Para nos contagiarmos da chirimía[6]. Para nos deleitarmos com o sabor da brisa do Pacífico. Para que os violinos do Cauca falem aos nossos ouvidos. Para desenhar paisagens de alegria no cérebro. Para entender que, com efeito, Deus é preto. Para sentir que a festa de Petronio é uma bonita ideia de liberdade. Para imaginar que as ondas do mar também se movem ao ritmo dos clarinetes. Pa´ mete la mano, saca y hueler[7]. Para saber cómo se tumba una casa a punta de rumba[8]. Para recuperar a memória. Para construir independência e identidade. Para falar com uma pessoa desconhecida e suar com ela. Para impedir que matem a nossa utopia. Para que o Petronio continue a ser um sonho do que você não vai quer despertar. Para que o Petronio seja sempre nosso. Para que não matem a nossa ideia de liberdade.
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[1] A marranita é um bolo de banana frita típico da região Valle del Cauca.
[2] Tubarão jovem. Trata-se dum importante ingrediente dos pratos típicos da gastronomia do Pacífico.
[3] Piangua: molusco bivalve conhecido como "o delicioso segredo do Pacífico colombiano".
[4] Arrechón, tumbacatre, viche, tomaseca e parapicha são bebidas tradicionais da cultura afrodescendente da Colômbia. Estão feitas à base de aguardente e têm efeitos curativos e afrodisíacos.
[5] O currulao é um ritmo musical próprio da cultura afrodescendente. A música se toca coletivamente com marimbas.
[6] Gênero musical tradicional da região do norte do Pacífico colombiano.
[7] Estrofe duma canção da banda Grupo Bahia chamada "El Birimbi" que também é o nome dum prato típico da costa Pacífica feito de milho, cana de açúcar, temperos, leite e coco. A estrofe quer dizer "Para meter a mão, tirar e cheirar".
[8] Referência à famosa canção "La vamo a tumbar" da banda Grupo Saboreo. A frase quer dizer "Para saber como é que se derruba uma casa simplesmente festejando".